sábado, 4 de junho de 2011

Berenice





                     “Dicebant mihi sodales, si sepulchrum amicae visitarem,
                    curas meas aliquantulum fore levatas.” Ebn Zaiat



A desgraça neste mundo é variada; uniforme é a miséria. Dominando o vasto horizonte como o arco-íris, como ele as suas cores são diversas, distintas e todavia intimamente fundidas.
Dominando o vasto horizonte como o arco-íris! Como pude de um exemplo de beleza tirar um tipo de feiura? De um emblema de paz e aliança tirar uma semelhante dor? É que, assim como na ética o mal é a consequência do bem, na realidade, é da alegria que nasce o desgosto: se a lembrança da felicidade passada produz as amarguras de agora, as amarguras que existem têm a sua origem nos prazeres que podiam ter existido.
A história que vou contar é, por essência, uma história de horror. De boa vontade a suprimiria, se não fosse mais uma crônica de sensação do que uma crônica dos fatos.
O meu nome de batismo é Egaco; do nome da minha família guardarei segredo. Não há em todo o país um castelo mais carregado de anos e de glória do que o velho e melancólico solar dos meus avós. Desde tempo imemorável, chamavam nossa família de raça de visionários. De fato, em muitos pormenores notáveis, no tipo do nosso castelo, nas pinturas do enorme salão, nas tapeçarias dos aposentos, nas cinzeladruas das colunas da sala de armas; porém, mais especialmente, na galeria dos quadros antigos, na decoração da biblioteca, e, também, na natureza muito particular do conteúdo dessa biblioteca, há de sobra por que justificar aquela denominação.
A recordação dos meus primeiros anos está intimamente ligada àquela sala e aos seus livros, dos quais não mais falaria. Foi lá que morreu minha mãe. Foi ali que eu nasci (se é que não vivia antes; se é que alma não tem existência anterior). Mas não discutamos agora este assunto. Estou convencido, não procuro convencer. Na minha memória, há uma reminiscência de formas etéreas, de olhos intelectuais e expressivos, de vozes harmoniosas e melancólicas; uma reminiscência que não quer me deixar; uma espécie de lembrança como uma sombra vaga, variável, vacilante. Sombra essencial, da qual não poderei separar-me enquanto o meu cérebro fulgir a luz da razão.
Foi naquele quarto que eu nasci. Emergindo assim das longas trevas, que pareciam ser, mas que não eram, o nada, para cair subitamente num país maravilhoso, num palácio fantástico, nos estranhos domínios dos pensamentos e da erudição monástica, não é para admirar que tenha lançado, em torno de mim, um olhar surpreso e ardente que consumiu a minha infância lendo livros e a minha juventude em devaneios. Mas o que é peculiar (passados os anos e no auge da vida, ainda me encontrar na mansão dos meus antepassados), o que é estranho é a inércia que me paralisou os órgãos essenciais da vida; é a inversão total que ocorreu nas características dos meus pensamentos mais simples. As realidades do mundo não me impressionavam senão com visões, enquanto as ideias loucas do país dos sonhos eram, não uma preocupação com a minha vida, mas seguramente a única razão da minha existência.

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Berenice e eu éramos primos e crescemos juntos na casa da família. Mas crescemos diversamente. Eu, doentio e envolvido na minha melancolia; ela ágil, graciosa e exuberantemente ativa. Para ela, os passeios pela colina, para mim, os estudos do claustro. Eu, encerrado em mim mesmo, dedicando-me de corpo e alma à mais intensa, à mais penosa meditação; ela, divagando descuidada através da vida, sem pensar nas sombras do caminho, nem na corrida silenciosa das horas. Berenice! Berenice! Quando invoco o seu nome, mil lembranças tumultuosas ressurgem sombrias da minha memória! Ah! Vejo-a ainda risonha, diante de mim, como nos seus dias de felicidade e alegria! Oh! magnífica e fantástica beleza! Oh! sílfide dos bosques de Arnhein! Oh! Náiade das fontes! E depois... e depois é mistério, terror! uma história que não quer ser contada.
Um mal, um mal funesto soprou forte, como o vento africano, sobre a sua compleição; de um momento para outro passou sobre ela o espírito da metamorfose e arrebatou-a, penetrando-lhe o espírito, os hábitos, o caráter e, do modo mais sutil e terrível, perturbando-a, metamorfoseando-a radicalmente! Ai! o destruidor vinha e voltava, mas a vítima, a verdadeira Berenice, que era feito dela? Aquela não era a mesma; pelo menos eu não a reconhecia mais por Berenice.
Entre a numerosa série de males, carreados pelo ataque principal, que fizera uma transformação tão horrorosa no ser físico e moral de minha prima, é preciso mencionar, como o mais aflitivo e o mais teimoso, uma espécie de epilepsia que muitas vezes terminava em catalepsia perfeitamente semelhante à morte, da qual ela despertava quase sempre de modo brusco, repentino.
Ao mesmo tempo, a minha doença também aumentava rapidamente e, agravando-se os sintomas pelo uso imoderado de ópio, tomou finalmente o caráter de uma monomania totalmente nova e extraordinária. De uma hora para outra, de um minuto para outro, ganhava forças até que chegou a adquirir sobre mim um domínio singular e desconhecido. Aquela monomania (se devo servir-me deste termo) consistia numa irritabilidade mórbida das faculdades do espírito que a linguagem filosófica denomina: faculdades de atenção. É muito provável que não me compreendam; e temo realmente que me seja absolutamente impossível dar ao comum dos leitores a ideia exata da nervosa “intensidade de interesse” com a qual a minha faculdade meditativa (para evitar a linguagem técnica) se aplicava e se absorvia na contemplação dos objetos mais comuns do mundo.
Meditar infatigavelmente horas e horas perdidas sobre qualquer citação pueril escrita à margem ou texto de um livro; ficar absorto, a maior parte do dia, na contemplação de uma sombra estranha, projetando-se obliquamente ao longo do assoalho ou da tapeçaria; esquecer-me uma noite inteira a observar a luz da lâmpada ou as brasas do fogão; sonhar dias inteiros com o perfume de uma flor; repetir, sem variação, alguma palavra vulgar, até que, à força de tão repetida, deixar de representar ao espírito a menor ideia; perder inteiramente o sentimento do movimento ou da existência física, para cair numa aquietação absoluta, obstinadamente prolongada, tais eram as mais comuns e as menos perniciosas aberrações das minhas faculdades mentais; aberrações encontradas em casos similares mas que não têm, por certo, explicação ou estudo.
Para ser bem claro, devo dizer ainda que aquela atenção intensa e mórbida, assim excitada pelos objetos mais comuns, era de natureza basicamente diversa da tendência que a humanidade tem pela meditação e à qual se entregam, principalmente, a divagações ardentes. Também não era, como poderia parecer à primeira vista, um excesso ou exagero dessa tendência, mas era radicalmente diferente dela, até pela sua natureza. No primeiro caso, o pensador, o homem imaginativo, interessando-se por um objeto (geralmente não banal) perde-o de vista, pouco a pouco, através da variedade de dedução e sugestões que lhe inspira, a ponto de, quando chega ao fim de um desses sonhos, por vezes com grande prazer, ter se afastado e esquecido o “incitamentum” ou causa primária das suas reflexões. No meu caso, o ponto de partida era “invariavelmente frívolo”, uma vez que revestido pela minha imaginação doentia como de suma importância. Fazia pouca ou nenhuma reflexão e, quando as fazia, voltavam obstinadamente ao objeto central. As meditações não eram agradáveis e, no fim do sonho, a causa primária, longe de estar esquecida, atingia um interesse sobrenatural, que era a feição dominante do meu mal. Numa palavra, a faculdade de espírito mais particularmente excitada em mim era, como já disse, a faculdade de atenção, enquanto no pensador normal a faculdade mais desenvolvida é a da meditação.
Os meus livros, naquela época, se não contribuíam positivamente para ativar o mal, participavam fortemente, pela sua natureza imaginativa e irracional, das qualidades características da própria doença. Lembro-me, entre outros, do tratado do nobre Coelius Secundos Curio, “De amplitudine Beati de Dei”; da grande obra de Santo Agostinho, “A Cidade de Deus”; e do “Carne Christi”, de Tertuliano, cujo estranho pensamento: “Mortuus est Dei Filius; credibili est quia ineptum est; et spultus resurrexit; certum est quia impossibile est”, absorveu totalmente toda aminha existência, durante muitas semanas de laboriosas e infrutíferas investigações.
A minha razão, assim desequilibrada por coisas insignificantes, fazia lembrar aquela rocha marítima de que fala Ptolomeu Hephestion, a qual resistia imutável a todos os ataques dos homens, e até ao furor dos ventos e das tempestades, mas que tremia só ao contato da flor chamada asfódelo. Ao pensador desatento, parecerá evidente que a alteração terrível produzida no estado moral de Berenice, pela sua doença deplorável, devesse me fornecer um grande assunto para exercer a meditação anormal, cuja natureza acabo de explicar. Pois bem! não aconteceu assim. Nos intervalos lúcidos da minha enfermidade, a desgraça de Berenice realmente me causava dor. Enternecia-me profundamente a ruína total da sua vida alegre e doce. Meditava muitas vezes e com amargura sobre as causas terríveis e misteriosas que tinham produzido tão estranha e repentina transformação. Mas essas reflexões análogas ao homem comum não funcionavam com a idiossincrasia do meu mal. Durante os acessos, a minha monomania, fiel ao seu caráter frívolo, preocupava-se apenas com as alterações menos importantes, se bem que mais evidentes, que se manifestavam no sistema físico de Berenice; na incomum alteração da sua identidade.
Nunca havia amado minha prima nos seus dias de fulgurante e incomparável beleza; mesmo porque, na estranha anomalia da minha existência, os sentimentos me vinham mais do espírito que do coração. Muitas vezes, através das nuvens do crepúsculo e ao meio-dia, pelas sombras da floresta, ou de noite na minha biblioteca, vendo-a passar diante de mim, contemplava-a, não como a Berenice viva e palpável, mas como a Berenice de um sonho, não como um ser terrestre, carnal, mas uma coisa para se analisar; não como um objeto de amor, mas como tema de meditação, indefinida e irregular. Mas agora tremia na sua presença, empalidecia à sua aproximação. Contudo, lamentando amargamente a sua lamentável decadência, lembrei de que me amara durante um tempo e uma vez lhe falei de casamento.
Aproximava-se a época do nosso noivado quando numa tarde de inverno, calma, enevoada, inesperadamente quente, sentei-me na biblioteca. Pensei estar só, mas erguendo os olhos vi Berenice, em pé, diante de mim.
Ou a minha imaginação exaltada, ou a influência nevoenta da atmosfera, ou o crepúsculo incerto do cômodo, ou o vestido negro que trajava lhe emprestou aquela imagem trêmula e insegura? Não sei dizer. Ela não proferiu uma palavra e eu, naquele instante, não teria podido pronunciar uma sílaba sequer. Pelo meu corpo correu um tremor gélido. Senti-me oprimido por uma sensação de agonia incontrolável e a minha alma foi subitamente invadida por uma crescente curiosidade. Mas permaneci imóvel, recostado na poltrona, sem fala e respiração, com os olhos nela. Ai! a sua magreza era espectral! Nenhum vestígio do ser primitivo, nenhum só dos seus contornos havia sobrevivido! Meu olhar ardente fixava-se no seu rosto.
Tinha a fronte erguida, muito pálida e estranhamente plácida. Os cabelos, outrora negros como carvão, caíam-lhe sobre as fontes encovadas, em anéis de um loiro forte, caracterizando uma imagem que discordava cruelmente da tristeza dominante de sua fisionomia. Os olhos sem vida, nem brilho, pareciam não ter pupilas. Desviei involuntariamente a vista do seu olhar envidraçado e observei seus lábios finos e tesos. Estes se entreabriram num sorriso estranho e os dentes da nova Berenice surgiram lentamente à minha vista. Quisera Deus que nunca os houvesse visto, ou que, ao vê-los, tivesse morrido!

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De repente ouvi o som da porta se fechar e levantei os olhos para ver que minha prima deixara o aposento. Mas o espectro horrível dos seus dentes brancos tinha ficado no meu cérebro desordenado e não queria sair. Não havia uma depressão na superfície, uma pequena diferença no esmalte, um bico nas suas arestas, que aquele sorriso passageiro não me tivesse deixado forte impressão na memória.
Via-os agora ainda mais distintamente que os vira antes. Os dentes! os dentes! estavam ali, acolá, por toda parte, visíveis diante de mim; compridos, estreitos e excessivamente brancos, circundados pelos lábios pálidos e horrivelmente esticados.
Então, chegou a fúria da monomania. Em vão lutei contra a sua influência estranha e irresistível. No número infinito dos objetos do mundo exterior, só os dentes me preocupavam. Desejava-os freneticamente! Todos os outros assuntos, todos os interesses diversos foram suplantados por aquela única visão. Eles, só eles estavam presentes aos olhos do meu espírito e a sua individualidade exclusiva tornou-se a essência da minha vida intelectual. Via-os a todas as horas e a todos os instantes. Estudava-lhes as características. Observava-lhes os sinais particulares. Meditava sobre a sua conformação. Refletia na alteração da sua natureza. Estremecia, atribuindo-lhes na imaginação uma faculdade de sentimento, de sensação e uma capacidade de expressão, mesmo sem o auxílio dos lábios. Dizia-se, com razão, de “mademoiselle” de Sallé, que todos os seus passos eram sentimentos. De Berenice acreditava eu intimamente que todos os dentes eram ideias. Ideias! ah! eis o pensamento absurdo, que me perdeu, Ideias, ah! aí está a razão pela qual eu os invejava tão loucamente! Sentia que só a posse me podia restituir a paz e a razão.
E assim a noite desceu sobre mim! Vieram as trevas, instalaram-se e tornaram a fugir! E um dia novo apareceu! E em redor de mim amontoaram-se as sombras de uma segunda noite. E eu, sempre imóvel naquele quarto solitário, sempre sentado, sempre envolvido na minha meditação! E o fantasma dos dentes mantinha sempre a sua terrível influência, a ponto de flutuar, continuamente, aqui e lá, com a mais espantosa nitidez, ora através da luz, ora através das trevas do aposento. Enfim, no meio dos seus sonhos, retumbou espantoso grito de horror, ao qual sucedeu, depois de breve silêncio, o ruído de vozes desoladas, entrecortadas de gemidos surdos, de suspiros, de choro e de dor. Levantei-me e, abrindo uma das portas da biblioteca, encontrei na antecâmara uma criada, em lágrimas, que me disse que Berenice deixara de existir! De manhã fora atacada de epilepsia. E agora, ao cair da tarde, o túmulo esperava sua próxima moradora; todos os preparativos do enterro estavam terminados!

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Aflito e gelado de terror, dirigi-me com repugnância para o quarto da morta. O quarto era grande e muito escuro. Os meus pés esbarravam a cada passo com os preparos do sepultamento. Sob as cortinas do leito (disse-me um criado) estava o caixão e naquele caixão (acrescentou em voz baixa) jaziam os restos de Berenice.
Quem me perguntou se não queria ver o corpo? Não vi que nenhum dos lábios se movessem, contudo a pergunta havia sido feita. O eco das últimas sílabas ressoava ainda pelo aposento. Era impossível recusar. Com um sentimento de terrível pressão, caminhei para o leito. Levantei lentamente os cortinados e deixei-os cair por trás de mim, ficando por dentro deles, separado do mundo dos vivos, na maior intimidade com a morta!
Toda a atmosfera do quarto exalava a morte e o ar em torno do ataúde sufocava-me; era como se o cheiro deletério já saísse do cadáver. Naquele momento teria dado qualquer coisa para fugir daquela influência depressiva da mortalidade, para respirar, ainda uma vez o ar puro do céu infinito. Mas meus movimentos estavam paralisados, vacilavam os joelhos, meus pés enraizados no solo e os olhos não queriam despregar-se daquele corpo rígido, estendido de comprido no caixão ainda aberto.
Justo céu! É impossível! Foi a alucinação do meu cérebro ou moveu-se mesmo o dedo da defunta dentro do tule que a envolvia? Trêmulo de inexplicável terror, voltei o olhar para a fisionomia do cadáver. O lenço, que lhe segurava o queixo, desatara-se, não sei como. Os lábios lívidos torciam-se numa espécie de sorriso, e naquela moldura lúgubre, os dentes de Berenice, brancos, luzidios, terríveis, pareciam me olhar como se fossem algo vivo! Desviei-me do leito compulsivamente e, sem pronunciar uma palavra, saí correndo, como um maníaco, daquele quarto carregado de mistério, horror e morte!

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Achei-me sentado, outra vez só, na biblioteca. Era meia-noite. Parecia ter saído de um sonho confuso e agitado. Sabia que Berenice fora enterrada depois do pôr-do-sol, mas não guardava nenhuma lembrança clara ou visão definida do que havia se passado naquele intervalo lúgubre. No entanto a minha memória se revolvia de um terror dúbio e vago, e por isso mais perturbador. Era como uma página horrorosa do registro da minha existência, escrita em caracteres estranhos, medonhos e ininteligíveis, que em vão me esforçava por decifrar. De vez em quando, semelhante ao eco de um som abafado, vibrava-me nos ouvidos um grito fraco e agudo, uma voz de mulher. Que tinha feito eu? perguntava a mim mesmo em voz alta. E os ecos do aposento me respondiam murmurando: “Que tinha feito eu?”
Em cima da mesa, ao meu lado, havia um abajur e junto dele uma caixinha de ébano. Aquela caixa não representava nada de especial, já a tinha visto muitas vezes, porque pertencia ao médico da família. Mas como tinha ela vindo parar ali, em cima da minha mesa? E por que tremia eu ao contemplá-la? Realmente, não valia a pena pensar nisso. Entretanto, os meus olhos, encontrando as páginas de um livro aberto, fixaram-se numa frase sublinhada. Eram as palavras singulares, mas muito simples, do poeta Ebn Zaiat sobre chefe militar que, ao morrer, autoriza os soldados a saquearem o próprio túmulo. – Por que, ao lê-las, se me arrepiaram os cabelos? Por que me gelou o sangue nas veias?
De repente, bateram de manso à porta da biblioteca e um criado, pálido como um habitante do túmulo, entrou na ponta dos pés. Tinha os olhos esgazeados de terror e a sua voz trêmula e abafada falou-me em tom quase imperceptível. Que me disse? – Não ouvi senão algumas frases truncadas. Creio que me contou sobre um grito horroroso que perturbou o silêncio da noite e que todos os criados tinham corrido na direção do som. Então a sua voz baixa se tornou exageradamente clara ao falar da violação de uma sepultura, de um corpo desfigurado, despojado da mortalha, mas respirando ainda, palpitando ainda, “ainda vivo!”.
Então olhou para a minha roupa e ela estava manchada de sangue! Sem dizer uma palavra, pegou-me na mão e ela tinha as marcas de unhadas humanas! Depois apontou para o objeto que se encontrava encostado na parede; era uma enxada!
Soltando um grito medonho, precipitei-me sobre a mesa e agarrei a caixa de ébano; mas minhas mãos trêmulas não tiveram força para segurá-la. A caixa caiu no chão, espalhando, com um tinir de ferragens, alguns instrumentos de cirurgia dentária e, ao mesmo tempo, trinta e duas coisinhas, brancas como marfim, se dispersaram por aqui e acolá, no solo do aposento...

                                                                      Edgar Allan Poe